Nas faculdades e universidades de cursos de medicina que adotam o PBL, as tutorias são os buluartes do “PBL made in Brazil”, método de aprendizagem baseado em problemas (grupo de 8 alunos em que se discute em cerca de 2 horas, sob a supervisão de um tutor, o qual orienta, instiga e apresenta “problemas clínicos”).
O PBL é uma ferramenta interessante, o original de McMaster, não o “PBL made in Brazil”.
É verdade que alguns tutores não médicos orientam tutorias de temas de medicina, e alguns grupos de têm alunos de medicina e enfermagem, e outros tutores de tão mudos que ficam, que as tutorias caminham para uma tutorada (neologismo que acabo de criar = tutoria + tourada da cidade de Madri).
Como qualquer método de ensino, o PBL apresenta muitos altos e baixos [na verdade mais baixos], já que o IDH do Brasil está na 75ª posição, e o ensino fundamental e médio vai de mal a pior, e adotar PBL no Brasil é um atentando violento ao ensino superior.
Por quê ?
Provém de culturas de outros países como Canadá e Holanda, e lá os alunos recebem uma educação muito superior à brasileira, e portanto, tem maior capacidade de autonomia e acesso a bibliotecas de excelente qualidade.
As sessões tutoriais são expostas a assuntos diversificados, com alunos muito diferentes e tutores igualmente diferentes.
Fica evidente a falta de balanceamento entre os grupos e o rendimento desigual, dependendo das circunstâncias.
Outra questão envolvendo o PBL à brasileira na prática é a competição entre os alunos.
Fica muito mais evidente a motivação competitiva do que o trabalho em equipe.
O tutor menos capacitado intelectualmente e pedagogicamente, ainda que motivado, vai dar conceito satisfatório para quem falar mais, ainda que sem conteúdo algum, ou com informações desatualizadas.
Vale lembrar que o critério de aprovação é subjetivo.
Então falar bem, boa aparência, empatia, um pouco de puxa-saquismo, tudo colabora para sua aprovação.
Depois de mais de 10 anos observando as tutorias do modelo PBL, observa-se que muitos alunos pouco se identificaram com o método, ainda que não falem abertamente nas instituições com medo de represálias e retaliações.
Só irão enfrentar o “modelo PBL made in Brazil” quando forem reprovados, pois caso contrário empurra-se com o abdômen , ou a abdômen-terapia [neologismo que crio para designar empurrar com a barriga].
O fato é que na maioria das vezes, o ritual de abrir problemas serve apenas para indicar qual capítulo do livro deve ser estudado.
O aluno que estuda recita o capítulo na tutoria, e o que não estudou faz uma síntese do que o outro aluno acabou de falar, e ainda sairá como sabichão perante o tutor mudo e calado na maior parte das vezes [diríamos 90% das sessões tutoriais]
Somente esse fato já demonstra a farsa do “PBL made in Brazil”: um aluno estuda, alguns estudam pouco, e outros não estudam, e o tutor não diz nada, pois afirma ser contra o método responder perguntas.
Na falácia do “PBL made in Brazil” o desempenho é proporcional à fala do aluno, e fica claramente demonstrada a noção de que somente quem estudou fala durante a sessão.
Quem não estudou acena com a cabeça afirmativamente nas famigeradas sessões tutoriais.
Se nenhum aluno falar, o tutor não vai fazer nada, e a atividade já está consumada e dada.
Penso que um manequim programado para perguntar seria melhor que o tutor catatônico.
No “PBL made in Brazil” há os mesmos problemas que nenhum sistema educacional conseguiu resolver: o foco dos estudantes por avaliações, a fixação pelas provas teóricas, e o conhecimento deletado após a aplicação de avaliações.
O condicionamento pelo “PBL made in Brazil” é tão significativo que o método de ensino tradicional passa a soar com estranheza para a maioria dos alunos.
Se por um lado, a autonomia do estudante é plena para organizar os próprios estudos, a ausência de professor muitas vezes deixa os estudantes sem referencial teórico e prático.
O Romance Triste fim de Policarmo Quaresma de Lima Barreto se assemelha muito aos defensores ufanistas do “PBL made in Brazil” como o melhor modelo de ensino do Brasil .
O Major Quaresma não se exauria na obsessão do nacionalismo, e no fanatismo xenófobo, e as suas reações revelavam o entusiasmo do homem ingênuo em querer adotar o tupi como língua oficial – e ser motivo de chacota de toda a imprensa e dos colegas de repartição .
Major Policarpo redige, distraído, um documento oficial naquela língua e termina, após uma elipse temporal, internado num manicômio.
Enfim…
Se você criticar o modelo PBL logo virá um “Quaresma Cover” atacá-lo e dizer que você está contra esse “modelo de ensino maravilhoso”.
É insofismável que no primeiro semestre, iludidos com a condição que se é proposta, o aluno faz tudo com intenso fervor, interessando-se até mesmo por estudar sozinho, sem ajuda, sem aulas, e nos famosos manequins [alguns até falam em algumas faculdades].
Aulas básicas nem pensar !
Com o passar do tempo, essa condição começa a mudar de sentido.
São diversas informações: siglas estranhas, e sem nexo; infinitos protocolos e diretrizes clínicas.
Percebe-se que aprender sozinho não é o ideal.
Quando o aluno está na semana de calouros se ouve dos ufanistas defensores do PBL:
“O PBL é o sistema de ensino que prioriza o desenvolvimento da competência para solucionar problemas, e criado no intuito de oferecer acesso a conhecimentos mais relevantes, propiciando o treinamento para as habilidades técnicas e socioafetivas, estimulando a adoção de atitudes éticas”.
Esse é o mote quando você entra na faculdade de medicina !
Palavras bonitas, bela poesia no papel, mas que, infelizmente, deixa muito a desejar quando se trata da vida real médica.
As informações médicas são infinitas e diversas.
Novos artigos científicos com novas informações surgem a todo o momento.
Mas, infelizmente, não se compreende muitos deles, já que o básico da escola médica foi tolhido pelo sistema do “aprender na prática”.
O aluno de medicina entra na graduação com o intuito de fazer e aprender “ciência”.
Sairá egresso destruído fisicamente e mentalmente de horas e mais horas de trabalhos puramente técnicos (grifo meu).
Não se tem apoio de professores e, muitas vezes, nem há professores.
Idolatra-se os poucos que reservam dez minutos do seu precioso tempo para tentar ensinar o que o aluno deveria ter já aprendido.
Paradoxalmente, esquece-se o referencial teórico-didático nas séries do curso de medicina.
Enfim o aluno lê o que acha necessário, não faz conexões da fisiopatologia à terapêutica, entre as disciplinas do curso de medicina, e tudo fica no mar do esquecimento propositalmente engendrado pelo projeto pedagógico da instituição de ensino.
Se o aluno discordar: um ou dois conceitos insatisfatórios, e o aluno ficará refém do coordenador do curso de medicina, e certamente será reprovado, e a sua reprovação servirá de exemplo para que outros alunos não se insurjam contra o “PBL made in Brazil”.
Triste Fim de Policarpo Quaresma, ou melhor Triste Fim do Ensino Tradicional nas faculdades de medicina do Brasil.
É o fim do ensino superior nas faculdades de medicina do Brasil !