Professor Miguel Nagib debateu a doutrinação ideológica da esquerda em salas de aula com professores marxistas

MIGUEL NAGIB- ESCOLA SEM DOUTRINAÇÃOMensagens trocadas num grupo de discussão no dia 13 de janeiro de 2014 entre o coordenador da Escola Sem Partido, Miguel Nagib, e dois professores universitários (Ilzver Matos e Paulo Renato Vitória) sobre o artigo “Professor não tem direito de ‘fazer a cabeça’ de aluno”  ainda parecem recentes e palpitantes 14 meses depois.

Vamos lembra que as mensagens entre os debatedores surgem a partir do artigo de 04 de outubro de 2013.

Leiam, reflitam, e passem aos demais alunos, pais e professores.

Eis o texto da Escola Sem Partido:

Professor não tem direito de “fazer a cabeça” de aluno

Por Miguel Nagib

É lícito ao professor, a pretexto de “despertar a consciência crítica dos alunos” — ou de “formar cidadãos”, “construir uma sociedade mais justa”, “salvar o planeta”, etc. –, usar a situação de aprendizado, a audiência cativa dos alunos e o recinto fechado da sala de aula para tentar obter a adesão dos estudantes a uma determinada corrente ou agenda política ou ideológica?

Com outras palavras: é lícito ao professor tentar “fazer a cabeça” dos alunos?

A resposta a essa pergunta está no art. 206 da Constituição Federal, que diz o seguinte:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

Como se vê, ao lado da liberdade de ensinar dos professores — a chamada liberdade de cátedra –, a Constituição Federal também garante a liberdade de aprender dos estudantes.

Seja qual for, na sua máxima extensão, o conteúdo jurídico dessa liberdade de aprender, uma coisa é certa: ele compreende o direito do estudante a que o seu conhecimento da realidade não seja manipulado pela ação dolosa ou culposa dos seus professores. Ou seja: ele compreende o direito do aluno de não ser doutrinado por seus professores.

Esse direito nada mais é do que a projeção específica, no campo da educação, da principal liberdade assegurada pela Constituição: a liberdade de consciência.

A liberdade de consciência é absoluta. Os indivíduos são 100% livres para ter suas convicções e opiniões a respeito do que quer que seja. Ninguém pode obrigar uma pessoa, direta ou indiretamente, a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode pretender invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou induzi-lo a ter essa ou aquela opinião sobre determinado assunto. Isto só acontece em países totalitários como Cuba e Coreia do Norte.

Como o ensino obrigatório não anula e não restringe a liberdade de consciência do indivíduo — do contrário, ele seria inconstitucional –, o fato de o estudante ser obrigado a assistir às aulas de um professor impede terminantemente que este se utilize de sua disciplina, intencionalmente ou não, como instrumento de cooptação política ou ideológica.

Portanto, com base no art. 206 da CF, pode-se definir juridicamente a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula como sendo o abuso da liberdade de ensinar do professor em prejuízo da liberdade de aprender do estudante.

Esse abuso da liberdade de ensinar também compromete gravemente a liberdade política dos alunos, já que o fim último da doutrinação é induzir o estudante a fazer determinadas escolhas políticas e ideológicas. E como se alcança esse resultado? Mediante a desqualificação sistemática de todas as correntes políticas e ideológicas menos uma: aquela que desfruta da simpatia do professor.

Dessa forma, os estudantes são induzidos a fazer determinadas escolhas; escolhas que beneficiam, direta ou indiretamente, os movimentos, as organizações, os partidos e os candidatos que desfrutam da simpatia do professor ou que contam com a sua militância.

Sendo assim, não há dúvida de que esses estudantes estão sendo manipulados e explorados politicamente por seus professores, o que ofende o art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de exploração”.

É certo que o professor doutrinador não se vale da violência para constranger os alunos. Mas, ao estigmatizar determinadas perspectivas políticas e ideológicas, a doutrinação cria as condições para um tipo de constrangimento muito menos sutil: o bullying político e ideológico que é praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas. Em certos ambientes, um aluno que assuma publicamente uma militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isto se deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação.

Professor doutrinador é aquele que usa suas aulas para tentar transformar seus alunos em réplicas ideológicas de si mesmo. Assim agindo, porém, o professor infringe o art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante aos estudantes “o direito de ser respeitado por seus educadores”. Com efeito, um professor que deseja transformar seus alunos em réplicas ideológicas de si mesmo evidentemente não os está respeitando.

Por fim, a prática da doutrinação ideológica configura uma afronta ao próprio regime democrático, já que ela instrumentaliza o sistema público de ensino e os estudantes com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores.

Em suma, o professor que usa suas aulas para “fazer a cabeça” dos alunos, por mais justas e elevadas que lhe pareçam as suas intenções, está desrespeitando, ao mesmo tempo, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe às autoridades educacionais e aos responsáveis pelas escolas adotar medidas eficazes para coibir essa prática covarde, antiética e ilegal. E cabe ao Ministério Público — a quem a Constituição Federal atribui “a defesa da ordem jurídica e do regime democrático” e a legislação ordinária, a defesa dos interesses das crianças e dos adolescentes e dos consumidores — exigir que essas medidas sejam adotadas.

E que medidas são essas?

Muito pode ser feito, sem dúvida. Mas o mais importante e urgente é informar os alunos sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores.

Trata-se, aqui, mais uma vez, de um direito assegurado pela Constituição Federal: o direito — que decorre do princípio constitucional da cidadania (CF, art. 1º, II) — de ser informado sobre os próprios direitos.

Conferindo efetividade a esse princípio, o Código de Defesa do Consumidor — que é aplicável no caso da relação professor-aluno, uma vez que o professor é preposto do fornecedor dos serviços prestados ao aluno — enumera entre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres” (art. 4º, inciso IV).

Além disso, o art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) estabelece que uma das finalidades da educação é preparar o educando “para o exercício da cidadania”.

Assim, tanto por força da Constituição, como por força do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as escolas públicas e privadas têm o dever jurídico de educar e informar os estudantes sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores.

Como cumprir esse dever? É simples: basta afixar em locais onde possam ser lidos por estudantes e professores (preferencialmente  nas salas de aula, mas também nas salas dos professores) cartazes com os seguintes preceitos:

1. O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

Negar aos alunos o conhecimento desses deveres do professor é o mesmo que sonegar-lhes as condições mínimas necessárias ao exercício da cidadania dentro da própria escola!

Portanto, é necessário e urgente educar e informar os estudantes sobre os direitos compreendidos na sua liberdade de aprender, a fim de que eles mesmos possam exercer a defesa desses direitos, já que, dentro da sala de aula, ninguém mais poderá fazer isso por eles.

DEBATE

O texto raivoso não tem nenhuma base nas obras sobre ensino jurídico, nem menciona as suas principais características no Brasil nestes séculos de existência, as críticas atuais (não tão atuais mais) ao modelo coimbrão e as novas propostas de ensino do direito (sobre as quais poderia tecer seus comentários e críticas). O texto é apenas uma tentativa pobre de convencimento com base no senso comum e fundamentada numa interpretação da mesma forma pobre das nossas lei, fruto de algum conflito pessoal e resultado do processo terapêutico da escrita que tantos usam hoje para liberar tensões e angústias (à moda facebookiana).

Ilzver Matos

Parece que alguém se sentiu pessoalmente atingido pelo meu artigo… Será que o Prof. Ilzver Matos, que é (ou era) militante do movimento negro, também se utiliza da autoridade que lhe é conferida pela cátedra, da situação de aprendizado e da audiência cativa dos alunos para tentar transformá-los em simpatizantes ou seguidores de suas próprias bandeiras políticas e ideológicas?

Faça o seguinte, Prof. Ilzver: escreva um texto defendendo o direito do professor de fazer militância política ou ideológica em sala de aula. Não faz mal que seja em causa própria. O importante é que o Sr. demonstre, com base na Constituição e nas leis, que as teses sustentadas no meu artigo estão erradas. Quem sabe eu não aprendo alguma coisa com o Sr.?

Miguel Nagib

Prezado Miguel, quem escreve textos ou obras que se tornam públicas e de amplo acesso deve estar aberto a críticas boas ou não. Li seu texto, o assunto me interessou e opinei sobre ele, como leitor cuidadoso dos seus argumentos.

Óbvio que minha trajetória passa pelos movimentos sociais, isso tá no meu lattes (movimento negro, de crianças e adolescentes, direitos humanos de uma forma geral), mas, também passei pela academia, fiz graduação, mestrado e faço doutorado em Direito, passei pela política, transitei em vários ambientes, e procuro em sala de aula compartilhar esta diversidade de experiências, não acho que cometo ilícito ou inconstitucionalidade ao agir desta forma. Mas, com certeza temos visões distintas deste espaço: a sala de aula, veja porque: sou freiriano, não acho que a sala de aula é espaço de manifestação de autoridade nem que existe hierarquia natural entre professor e aluno, nem que este último. o aluno, é uma “tabula rasa”; não pratico educação bancária; a sala para mim é espaço de troca de experiências, aprendo muito com os alunos e com suas vivências, eles me influenciam com suas visões de mundo.

Por fim, não vou escrever nenhum texto para te fazer “aprender” como você pede, você sabe que não sou teoricamente compatível com esta ideia de aprendizado, podemos trocar ideias, acho que já estamos. Daniel, como sempre, nos informou do seu texto e pelo título resolvi ler e estou aqui apenas expressando minha opinião.

Abraços

Ilzver Matos

Olá a todas e todos,

Serei breve: na minha opinião, tudo o que fazemos em sala de aula é política, quer queiramos reconhecer, quer não.

Apenas reproduzir a-criticamente conceitos – por certo ideológicos – também é uma opção política.

Defender a neutralidade do professor é apenas tentar disfarçar, hipocritamente, uma opção política conservadora. Mesmo que nos escondamos detrás de artigos, normas, conceitos…

Por respeito aos nossos alunos, temos, sim, a obrigação de tomar posição, por uma questão de honestidade intelectual. A neutralidade também é ideológica…

Ou atuamos no sentido de transformar a realidade, ou no sentido de conservá-la. Qualquer decisão é uma opção política.

Saudações,

Paulo

Prezado Prof. Ilzver Matos,

Não me incomodo que opinem sobre o que escrevo. Mas, ao dizer que o meu texto seria “fruto de algum conflito pessoal e resultado do processo terapêutico da escrita que tantos usam hoje para liberar tensões e angústias”, o Sr. não opinou sobre ele; opinou sobre mim. Sobre o artigo, propriamente, o Sr. só disse que era raivoso, pobre, sem base, fundado no senso comum e omisso quanto às “novas propostas de ensino do direito”.

Por isso a minha resposta foi meio atravessada. Vejo agora que me excedi, porque o Sr. parece ser uma pessoa educada. Apenas falou daquela forma depreciativa e deselegante porque não sabia que eu havia sido incluído no grupo juntamente com o meu artigo. Se soubesse, decerto não agiria da mesma forma — como, aliás, não agiu depois de ficar sabendo.

Mas eu insisto que o Sr. desenvolva as intuições jurídicas que o levaram a fazer um juízo tão desfavorável sobre o meu artigo. Não se preocupe em me fazer “aprender”. Eu aprenderei de qualquer forma (pois é da minha natureza), se o Sr. demonstrar, com base na Constituição e nas leis, que as teses sustentadas no meu artigo estão erradas. Diante da indigência do meu texto, essa demonstração certamente não lhe custará muito esforço, e todos aqui, a começar por mim, lhe serão gratos por isso, pois teremos, afinal, a desejada troca de ideias.

Além disso, ao escrever esse artigo, o Sr. estará prestando um serviço valioso à legião de professores que hoje utiliza a sala de aula para fazer doutrinação política e ideológica — a esmagadora maioria, freiriana como o Sr. e de esquerda como o Sr. (vejo que aqui mesmo neste grupo o Sr. não está sozinho). Não que eles estejam correndo algum risco por adotar essa prática covarde, antiética e ilegal (perdoe-me a franqueza). Definitivamente, este não é o caso (basta lembrar que Paulo Freire, o grande responsável pelo sucesso da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos no Brasil, acaba de ser reconhecido — e merecidamente — como “Patrono da Educação Brasileira”). Mas é sempre bom contar com um parecer jurídico para o caso de algum estudante (ou pai de aluno) resolver comprar uma briga na Justiça.

Subentende-se, naturalmente, quando falamos em “direito” do professor de “fazer a cabeça” dos alunos, que essa demonstração deve ser feita com base na Constituição e nas leis do país, e não em argumentos extrajurídicos, como “as críticas ao modelo coimbrão e as novas propostas de ensino do direito”. Também não adianta invocar a autoridade de Paulo Freire; não, pelo menos, enquanto seus oráculos não tiverem sido incorporados ao ordenamento jurídico.

Por falar no Patrono da Educação Brasileira, o Sr. se declara freiriano, e diz que não acha que a sala de aula seja “espaço de manifestação de autoridade nem que existe hierarquia natural entre professor e aluno”. Mas a questão, Professor, é saber se os seus alunos também pensam dessa forma. Porque, se eles acreditarem que existe hierarquia entre professor e aluno, e se submeterem à sua autoridade, o Sr. estará exercendo essa autoridade, mesmo pensando que não está (se é que o Sr. realmente pensa isso).

Responda, Professor: o Sr. já dispensou os alunos de assistir às suas aulas? Já abriu mão do direito de avaliá-los, aprová-los ou reprová-los? Já permitiu que eles se sentem na sua cadeira e lhe digam o que será ensinado? É claro que não! Sabe por quê? Porque o Sr. nem pode fazer isso. A lei o proíbe. Negar a existência de uma hierarquia natural entre professor e aluno é fechar os olhos para a natureza das coisas; negar a existência de uma hierarquia jurídica é ignorar as normas mais elementares que disciplinam a sua própria profissão. Ou o Sr. acha que seus alunos ficam lá sentados, ouvindo o Sr. durante uma, duas horas, apenas porque gostam? Não, Professor! Eles são obrigados! E é principalmente por isso que o Sr. não pode levar a sua militância política e ideológica para dentro da sala de aula, pois o fato de eles serem obrigados a prestar atenção ao que o Sr. diz não os desveste da liberdade de consciência assegurada pela Constituição Federal.

O Sr. também afirma — invocando Paulo Freire — que “não pratica educação bancária”; que a sala para o Sr. “é espaço de troca de experiências”, que “[aprende] muito com os alunos e com suas vivências”, e que eles o “influenciam com suas visões de mundo”.

Paulo Freire era bom de conversa. Essa história de “educação bancária”, por exemplo, impressiona muita gente. Mas não todo mundo. Sugiro, naquele intuito de estabelecermos uma verdadeira troca de ideias, a leitura do artigo “Paulo Freire e a ‘educação bancária’ ideologizada”, de autoria do Prof. Luiz Lopes Diniz Filho, do Depto. de Geografia da UFPR. Está nesse link:

http://escolasempartido.org/artigos/382-paulo-freire-e-a-educacao-bancaria-ideologizada

Na prática, escreve o Prof. Diniz Filho, a educação “não-bancária” de Paulo Freire funciona assim:

“o professor questiona os alunos sobre o seu dia a dia, apresenta uma explicação ideológica para os problemas e insatisfações relatados, e depois discute com eles o que acharam desse conteúdo. Se os alunos discordarem da explicação, o professor argumenta em favor do seu próprio ponto de vista ideológico. Ao fim do diálogo, o professor conclui que os alunos que ele conseguiu convencer estão agora “conscientes” da sua “verdadeira” condição de oprimidos e explorados pela sociedade de classes.

Ora, isso é apenas a dita “educação bancária” camuflada de diálogo! O professor apresenta uma única via para explicar as situações relatadas pelos alunos: a ideologia em que ele acredita. O aluno é deixado na ignorância sobre a existência de pesquisas que explicam as situações de pobreza, desigualdade, problemas urbanos e ambientais, entre outros, fora do universo teórico e ideológico do professor.

O próprio simplismo do pensamento de Paulo Freire permite exemplificar como isso se dá. Suponham que um aluno de Freire, um operário em processo de alfabetização, convidado a falar sobre sua vida cotidiana, dissesse que está desempregado. Aproveitando a oportunidade para “conscientizar” o aluno, o professor Freire apresentaria a sua visão sobre o tema: “O desemprego no mundo não é, como disse e tenho repetido, uma fatalidade. É antes o resultado de uma globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da gulodice irrefreada das minorias que comandam o mundo” (a citação é de Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa).

É claro que o aluno hipotético só poderia contestar essa análise se tivesse lido trabalhos de economistas sobre as causas do desemprego. Entretanto, o aluno obviamente não leu nada disso, pois está se alfabetizando! Ou seja, o aluno não tem nem poder nem espaço para “questionar os novos saberes” apresentados pelo professor.

O que se tem aí, portanto, é um método que consiste em transmitir ao aluno verdades prontas, tal como na dita “educação bancária”, mas disfarçado por um processo dialógico manipulado pelo professor, que sonega ao aluno o conhecimento de explicações alternativas e mais sofisticadas do que aquela!”

Mostre esse artigo aos seus alunos, Professor, e observe se não haverá alguma mudança no comportamento deles em relação ao Senhor.

Mas voltemos à questão do direito do professor de “fazer a cabeça” dos alunos.

De um modo geral, os professores militantes se defendem com os argumentos usados aqui pelo Prof. Paulo Renato Vitória: “tudo o que fazemos em sala de aula é política, quer queiramos reconhecer, quer não”. “Ou atuamos no sentido de transformar a realidade, ou no sentido de conservá-la.”

É deprimente. O militante sequer considera a hipótese de que a realidade deva ser “conhecida”. Quer transformá-la sem conhecê-la. Se é como ele diz, não existe mais ciência, nem verdade, nem busca do conhecimento, nem possibilidade de arbitrar racionalmente qualquer discussão.

O fato de o conhecimento ser vulnerável à distorção ideológica – o que é uma realidade inegável sobretudo no campo das ciências sociais – deveria servir de alerta para que os educadores adotassem as precauções metodológicas necessárias para reduzir a margem de distorção. Em vez disso, professores como o Sr. Paulo Renato Vitória o utilizam, cinicamente, como salvo-conduto para a doutrinação: como não existe neutralidade, cada professor que trate de puxar a brasa para a sua própria sardinha ideológica.

Imagine se um cirurgião, consciente da inexistência de um campo cirúrgico 100% isento de contaminação bacteriana, se dispensasse de lavar as mãos antes de abrir a barriga de um paciente…

O ideal da perfeita neutralidade pode ser (e é) inatingível; mas isto não significa que não possa ser perseguido como todo ideal; e, muito menos, que os professores estejam dispensados do dever ético e jurídico de persegui-lo.

O problema é que isso dá trabalho… O professor vai ter de estudar, ler um monte de livros de autores cujas ideias ele não conhece e não tem vontade de conhecer, aprender o que ele achava que já sabia, rever ideias, abandonar convicções, reescrever artigos, reconhecer que estava errado, etc. E ainda vai sofrer a patrulha de colegas e estudantes sectários. Não vale a pena, não é? Muito mais fácil e cômodo é continuar repetindo para si mesmo que “educar é um ato político”, e despejando na cabeça dos alunos suas próprias ideias e preconceitos.

O problema, no fundo, talvez seja de vocação. Por isso, encerro minha resposta com uma conhecida passagem do livro “A ciência como vocação”, de Max Weber:

“O verdadeiro professor terá escrúpulos de impor, do alto de sua cátedra, uma tomada de posição qualquer, tanto abertamente quanto por sugestão – já que a maneira mais desleal é evidentemente a que consiste em “deixar os fatos falarem”.

Por que razões devemos abster-nos? Deduzo que determinado número de meus respeitáveis colegas opinará no sentido de que é, geralmente, impossível pôr em pratica esses escrúpulos pessoais e que, se [fosse] possível, seria fora de propósito adotar precauções semelhantes. [Bem], não se pode demonstrar [cientificamente] a ninguém aquilo em que consiste o dever de um professor universitário. Nada mais se poderá exigir dele do que probidade intelectual ou, em outras palavras, a obrigação de reconhecer que existem dois tipos de problemas heterogêneos: de um lado, o estabelecimento de fatos, a determinação das realidades matemáticas e lógicas ou a identificação das estruturas intrínsecas dos valores culturais; e, de outro, a resposta a questões referentes ao valor da cultura e de seus conteúdos particulares ou a questões relativas à maneira como se deveria agir na cidade e em meio a agrupamentos políticos.

Agora, se me fosse perguntado por que esta última série de questões deve ser excluída de uma sala de aula, eu responderia que o profeta e o demagogo estão deslocados em uma cátedra universitária. Tanto ao profeta quanto ao demagogo se deve dizer: “Vá às ruas e fale em público”, quer dizer, que ele fale em lugar onde possa ser contestado. Em uma sala de aula enfrenta-se o auditório de maneira totalmente diversa: a palavra é do professor, e os estudantes estão condenados ao silêncio. Impõem as circunstâncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um professor, tendo em vista a futura carreira, e que nenhum dos presentes a uma sala de aula possa criticar o mestre. É imperdoável a um professor valer-se dessa situação para buscar incutir em seus discípulos as suas próprias concepções políticas, em vez de lhes ser útil, como é de seu dever, através da transmissão de conhecimento e de experiência científica.

Positivamente, pode ocorrer que este ou aquele professor apenas de forma imperfeita consiga fazer calar as suas preferências. Nesse caso, estará sujeito à mais severa das críticas no intimo de sua própria consciência. Todavia, uma falha dessas não prova nada em absoluto, pois que existem outros tipos de falha como, por exemplo, os erros materiais, e também [estes] nada provam contra a obrigação da busca da verdade. [Com outras palavras: a dificuldade concreta em fazer calar as próprias simpatias e preferências, não induz à conclusão de que o professor esteja desobrigado de buscar a verdade. Assim como a dificuldade em praticar a caridade, a justiça, a honestidade, etc. não implica a abolição desses deveres.] Se não bastasse, é exatamente em nome do interesse da ciência que eu condeno essa forma de proceder. Recorrendo às obras de nossos historiadores, tenho condição de lhes fornecer prova de que, sempre que um homem de ciência permite que se manifestem seus próprios juízos de valor, ele perde a compreensão integral dos fatos. Contudo, essa demonstração se estenderia para além dos limites do tema que nos ocupa esta noite e exigiria digressões demasiado longas. (…)

Seria desconfortante para todo professor titular de uma cátedra universitária abrigar o sentimento de estar colocado diante da impudente exigência de provar que é um líder. Mais desconfortante ainda seria pressupor-se que todo professor de universidade poderia ter a possibilidade de desempenhar esse papel na sala de aula. Efetivamente, os indivíduos que a si mesmos se julgam líderes são, as mais das vezes, os menos qualificados para tal função. De qualquer forma, a sala de aula não será jamais o local em que o professor possa fazer prova de uma aptidão como essa. O professor que sente a vocação de conselheiro da juventude e que goza da confiança dos moços deve desempenhar esse papel no contato pessoal de homem para homem. Caso ele se julgue chamado a participar das lutas entre concepções de mundo e entre opiniões de partidos, deve fazê-lo fora da sala de aula, deve fazê-lo em lugar público, isto é, através da imprensa, em reuniões, em associações, onde achar melhor. Sem dúvida, é muito cômodo exibir coragem num local em que os assistentes e, provavelmente, os oponentes, estão supliciados ao silêncio.”

Miguel Nagib

Prezado Miguel,

Em primeiro lugar, vejo que o senhor também é militante político. Segundo o Google, o senhor coordena uma ONG que defende a “educação sem doutrinação”: http://www.escolasempartido.org/. Paradoxalmente, quem entra no site, facilmente se dá conta do seu caráter “doutrinário”…

De certo, imagino que o senhor (caso seja professor), ou algum outro professor que siga sua ideologia, também deve tentar “fazer a cabeça” dos seus alunos com suas teses. Provavelmente, muitos alunos acreditem no senhor e achem que tudo o que o senhor fala em sala de aula é verdade absoluta, completamente livre de suas opções políticas.

Através deste artifício, o senhor consegue manipular seus eventuais alunos (ou leitores), transformando suas opiniões políticas conservadoras e seu ódio fundamentalista ao pensamento libertário em “verdades absolutas”, inquestionáveis e isentas de quaisquer contaminações ideológicas. Assim, sua ideologia não é ideológica. A dos outros, sim. Essa tática argumentativa é antiga…

Mas basta fazer uma pequena pesquisa na internet para que possamos “descobrir” que o senhor, de “neutro” não tem nada. E não há nenhum mal nisso. Por exemplo, achei uma entrevista sua para o blog de extrema direita “Conexão Conservadora”: http://conexaoconservadora.blogspot.com/search/label/Miguel%20Nagib. Também encontrei uma reprodução de seu texto sobre ”fazer a cabeça dos alunos” no site do panfleto semanal da extrema direita brasileira, a Revista Veja:  http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/tags/miguel-nagib/.

O senhor tem todo o direito de defender suas ideologias conservadoras, desde que não parta da premissa de que as mesmas são absolutas e necessárias.  Desde que o senhor tenha respeito pelo(s) seu(s) interlocutor(es). O que o senhor quer é implementar uma ditadura nas salas de aula, onde todas as opiniões contrárias às suas (tidas como verdades absolutas) sejam proibidas e reprimidas. Acho isso completamente covarde.

O que tento fazer em sala de aula é justamente o contrário. Busco respeitar os meus alunos, deixando claro em todos os momentos que eu não sou o dono da verdade. Que, aliás, ninguém o é. Que minhas opiniões são – como as de qualquer pessoa, inclusive as do senhor, que se julga superior – parciais, incompletas e contingentes. Por honestidade intelectual, deixo claro o que penso, mas jamais cobro que alguém pense como eu.  Discuto a realidade, sob diferentes perspectivas, sempre utilizando argumentos, nunca a hierarquia. O resultado é que, desta forma, todos crescem. Inclusive aqueles que discordam de minhas ideias, que saem fortalecidos pelo debate respeitoso. Acho que o senhor, de certa forma, subestima a capacidade crítica dos seus alunos.

O primeiro passo para uma conversa respeitosa é a honestidade e o respeito ao outro. Se eu digo que minha opinião é a verdade e a do senhor (ou de quem quer que seja) é ideologia, estou fechando as portas para um diálogo respeitoso. Não há nenhuma possibilidade de discussão nestes termos, pois as premissas estão erradas. O ponto de partida é assimétrico. Se nos assumimos, os dois, como seres igualmente parciais, e, por conseguinte, ideológicos, podemos ter uma discussão proveitosa.  Do contrário, ficaremos ambos tentando IMPOR nossa visão unilateral um ao outro.

Se eu dissesse aos meus alunos que eu sou o representante da “ciência pura do direito” (?!), que minhas aulas são isentas de qualquer “contaminação ideológica”, que tudo o que eu digo é o retrato da realidade, tal como ela é, estaria mentindo. Sempre existem várias outras formas de ver o mundo.

Quanto aos argumentos “legais”, que o senhor tanto preza, eu apenas inverteria sua lógica: o “direito de aprender” do aluno não pode jamais ser assegurado através da implementação de uma ditadura de pensamento único, nos moldes da defendida pelo senhor. Pelo contrário, este direito está, a meu ver, intimamente relacionado com a possibilidade de dialogar com várias matrizes de pensamento, inclusive com as que o senhor defende. Sempre com honestidade intelectual. Sem medos, nem covardias. Com dignidade.

Impor verdades absolutas a priori, disfarçadas de neutras e assépticas, é a melhor forma de violar o direito de aprender dos alunos.

Um respeitoso abraço a todos.

Paulo

Prezado Prof. Paulo,

Antes de mais nada, peço desculpas por tê-lo feito esperar por esta resposta. Trabalho muito e a correspondência às vezes acaba prejudicada.

Em vez de refutar a argumentação desenvolvida no meu artigo, o Sr. tenta  me estigmatizar ideologicamente e me desqualificar, acusando-me de fazer aquilo que condeno. Trata-se, não há dúvida, de um expediente desonesto, intelectualmente falando; mas, depois desse breve contato que tive com as suas ideias, não me surpreende.

Não há nada de errado em ser militante político. Errado — covarde, antiético e ilegal — é levar a militância política para dentro da sala de aula. Errada é a usurpação da cátedra universitária pelo militante político.

Meu site não é uma sala de aula. Por isso, tem todo o direito de ser doutrinário. Ademais, é um site monotemático, de modo que só é doutrinário, ou melhor, dogmático, quando sustenta o caráter ilícito e antiético da instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos.

Não impeço ninguém de publicar o que escrevo. Se o Sr. tiver um blog, pode publicar meus artigos. Se quiser, posso lhe dar uma entrevista também. O Sr. não imagina como me deixaria satisfeito se sugerisse aos seus alunos a leitura do texto discutido neste tópico, e promovesse um debate em sala de aula. Suas ideias contra as minhas. Topa?

A leitura desonesta que o Sr. faz do que escrevo, para afirmar que alimento “um ódio fundamentalista ao pensamento libertário” e que desejo “implementar uma ditadura do pensamento único em sala de aula”, me dá uma ideia do tratamento “respeitoso” que o Sr. dispensa em sala de aula aos seus antagonistas ideológicos — todos, é claro, da “extrema direita”. Mas não deixa de ser engraçado ouvir um defensor da doutrinação política e ideológica em sala de aula falando em nome do “pensamento libertário”.

Sei que o Sr. não vai entender isso, mas vou dizer mesmo assim: o que liberta é o conhecimento da verdade. O que liberta é conhecer a realidade, e não aprisioná-la na camisa de força de uma ideologia, seja ela de esquerda, de direita ou de que natureza for.

Não sou professor. Não tenho sala de aula nem aluno. Falo em praça pública. Ninguém é obrigado a me escutar ou ler o que escrevo. Não tenho poder de impor leituras a quem quer que seja. Não avalio, não aprovo e não reprovo ninguém. Não exerço nenhum tipo de autoridade sobre as pessoas que decidem, livremente, ler o que escrevo ou divulgo.

Mas vamos fazer de conta que eu tivesse alunos. Nesse caso, para poder doutriná-los com minhas teses, como o Sr. imagina, eu teria de ser um professor de Ética do Magistério, certo?, uma disciplina, aliás, que deveria ser obrigatória nos cursos de formação de professores.

Bem, se eu fosse esse professor, a primeira coisa que eu diria aos meus alunos é que eles, como alunos, têm direito a que o seu conhecimento da realidade não seja manipulado pela ação dolosa ou culposa dos seus professores. Ou seja: logo de cara, eu tentaria preveni-los contra a ação de professores como o Senhor.

Para deixar claro o meu próprio compromisso com a máxima neutralidade possível, e dar aos meus alunos o poder de confrontar minhas palavras com meus atos, eu afixaria no lugar mais visível da sala o cartaz com os deveres do professor (aquele que consta do meu artigo). Adaptado para o ensino superior, ficaria assim:

1. O professor não abusará da autoridade que lhe é conferida pela cátedra universitária, nem da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária.

2. O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.

3. O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.

4. Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

5. O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.

(É isso o que o Sr. chama de “ditadura do pensamento único”?)

Consequentemente, meus alunos aprenderiam que, como futuros professores, não terão o direito de “fazer a cabeça” dos seus alunos. Eu lhes ensinaria que, como professores, eles têm obrigação ética e jurídica de tentar descobrir a verdade em cada coisa; a obrigação de perseguir, com o máximo empenho e sinceridade, o ideal da neutralidade e objetividade científicas. Eu os advertiria sobre a vulnerabilidade das ciências sociais à contaminação ideológica; e aos apaixonados pela política eu aconselharia a sublimar esse sentimento ou ficar longe das salas de aula. Eu exigiria a leitura de livros como “A ciência como vocação”, de Max Weber. E, é claro, eu faria — seria moralmente obrigado a fazer — um esforço sincero para apresentar “de forma justa, isto é, com a mesma profundidade e seriedade”, as ideias de estudiosos como o Sr., o Prof. Ilzver e outros expoentes da ética do magistério.

Em suma, eu me esforçaria para formar professores de boa índole, de caráter, intelectualmente honestos, desapaixonados, estudiosos, de mente aberta e espírito crítico, humildes, verdadeiros homens de ciência.

Agora, veja como são diferentes os universos morais em que habitamos o Sr. e eu: ética, dedicação, sublimação, sinceridade, caráter, vocação, espírito crítico, humildade e honestidade intelectual, para o Sr., são apenas disfarces ideológicos, pois, como o Sr. diz, “tudo o que fazemos em sala de aula é política, quer queiramos reconhecer, quer não”.

Isso mostra como seu pensamento é selvagem, professor. Nele não há lugar para o ideal da busca desinteressada do conhecimento. O Sr. olha para seus alunos e não vê senão matéria-prima a ser transformada segundo as necessidades da luta política. O Sr. não deseja conhecer a realidade, nem quer que seus alunos a conheçam.

Ao contrário do que o Sr. pensa, o fato de assumir esse ponto de vista bárbaro publicamente e perante os alunos não o torna uma pessoa mais honesta. Torna-o uma pessoa mais brutal.

É brutal que o Sr. não veja a vulnerabilidade da ciência à contaminação ideológica como um mal a ser evitado, mas como uma oportunidade a ser aproveitada. É brutal, além de falso e oportunista, afirmar a impossibilidade da busca desinteressada do conhecimento. É falso, porque a busca, enquanto tal, é sempre possível. E é oportunista, porque, ao negar essa possibilidade, o Sr. se exime do dever de buscar.

De tanto repetir para si mesmo o mantra freiriano de que “educar é um ato político”, o Sr. se tornou emocionalmente incapaz de entender que não se trata de “se apresentar” aos alunos como “neutro”, mas de perseguir com sinceridade o ideal da neutralidade.

Ninguém está sugerindo que o Sr. diga aos alunos que suas aulas são isentas de qualquer contaminação ideológica e que tudo o que o Sr. diz é o retrato da realidade. Todo mundo sabe que isto não existe. Mas o fato de não existir não significa que não possa ser buscado como ideal. E se pode ser buscado, o professor não tem desculpa ética e jurídica para não buscar.

Se a busca fosse impossível, não haveria professores mais ideológicos e menos ideológicos; mais equilibrados e menos equilibrados. Ah, é claro, para o Sr. não faz diferença: Max Weber era tão ideológico quanto o Sr. e o Prof. Ilzver…

Para ser honesto com seu alunos, a primeira coisa que o Sr. deveria lhes dizer é que o Sr. não vai ajudá-los a conhecer a realidade. O que o Sr. vai fazer é inculcar nas suas mentes ideias úteis à transformação da realidade segundo o projeto do seu partido ou a utopia da sua ideologia. Ou seja, vai adestrá-los na sua própria militância política e ideológica.

Seus alunos têm direito de saber pelo menos isso: que o Sr. não tem compromisso com a verdade.

Não basta “deixar claro” o que o Sr. pensa e dar aos alunos a “liberdade” de discordar do Sr.. O Sr. também deveria deixar claro o que pensam as pessoas de quem o Sr. discorda. E é preciso fazer isso “de forma justa, isto é, com a mesma profundidade e seriedade”. Não como o Sr. acaba de fazer aqui, ao me desqualificar e desqualificar o meu pensamento (ainda mais porque, na sala de aula, as pessoas que o Sr. desqualifica não vão poder se defender, como eu estou fazendo aqui). Do contrário, a “liberdade” que o Sr. dá aos alunos para discordar do Sr. é apenas uma mentira. Discordar com base em quê? Discordar para ser rotulado pelo professor ou pelos colegas (correligionários e/ou bajuladores do professor) de “conservador”, de “extrema direita”, de “odiador fundamentalista do pensamento libertário”?

Sim, como eu digo no meu artigo, o professor é indiretamente responsável pelo bullying político e ideológico praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas. Isto só acontece por causa do ambiente de sectarismo criado pela doutrinação. Na medida em que o professor estigmatiza determinadas posições ideológicas — como o Sr. já mostrou que sabe fazer –, ele dá a deixa para esse tipo de comportamento por parte dos estudantes mais afinados com a sua militância e mais empenhados em mostrar serviço.

Quanto à suposta “capacidade crítica” dos alunos — que eu, na sua opinião, subestimaria –, peço licença para citar, novamente, um trabalho do Prof. Diniz Filho, da UFPR:

“(…) há um duplo sentido contraditório no uso de expressões como “criticidade do educando” e “desenvolver o raciocínio crítico”. Tais expressões são empregadas para designar o objetivo de oferecer aos alunos diferentes visões da realidade e estimulá-los a refletir autonomamente sobre cada uma delas; mas significam também ensinar aos alunos teorias sociais críticas do capitalismo, as quais cindem a sociedade em “dominantes” e “dominados” e qualificam como meramente ideológicas todas as vertentes de pensamento que lhe são adversárias.

Essa incoerência é explícita em trabalhos acadêmicos que versam sobre o ensino de geografia, como os de Vlach, Callai e Cavalcanti. É comum esses trabalhos assegurarem que “não devem ser simplesmente aceitas as explicações que são postas por uma forma única de interpretação, por uma única fonte”, ao mesmo tempo em que afirmam que o objetivo primordial da educação é estimular as “paixões, imaginação e intelecto” dos alunos “de forma que eles sejam compelidos a desafiar as forças sociais, políticas e econômicas que oprimem tão pesadamente suas vidas”. Mas como ser fiel à proposta de oferecer uma pluralidade de concepções se o objetivo principal da educação for o de compelir os alunos a se engajarem em lutas políticas inspiradas por uma corrente teórica e ideológica específica? Como respeitar verdadeiramente a autonomia de pensamento do aluno partindo-se da tese de que ele está enredado por um sistema econômico, social e cultural que o impede de ver a realidade social como ela realmente é? Na prática das salas de aula (e também nos livros didáticos), tal contradição se resolve com a supremacia da missão doutrinária sobre o postulado pluralista, de tal sorte que “ensinar a pensar criticamente” acaba sendo simplesmente inculcar ideias de esquerda nos alunos, e ponto final.”

É essa a “capacidade crítica” adquirida pelos estudantes ao longo de ensino fundamental e do ensino médio. Afinal, o sistema de ensino está cheio de professores militantes — quase todos de esquerda como o Sr. — que usam a sala de aula para depositar seus ovos ideológicos na cabeça dos estudantes, de modo que, quando eles chegam às suas mãos, na faculdade, os ovinhos já eclodiram e os vermes ideológicos já devoraram a maior parte daquilo que deveria ser a verdadeira capacidade crítica desses indivíduos.

Eu tenho certeza absoluta de que o Sr., como estudante, também foi vítima desses militantes. E agora, professor, transmite aos seus alunos o legado dessa miséria. O ciclo da doutrinação é assim: um vampiro morde uma pessoa sã, que se transforma em vampiro, que morde uma pessoa sã, que se transforma em vampiro, que morde uma pessoa sã… Ah, esqueci: na sua opinião não existe sanidade, nem verdade, nem nada. Só política.

Saudações, professor.

Miguel Nagib

Advogado e Coordenador da ONG – Escola sem Partido

Procurador do Município de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *